Leia como quem beija

Beije como quem escreve

Total de visualizações de página

sábado, 28 de janeiro de 2012

"Eu gosto de tudo um pouco"

Existem momentos nos quais é preciso ser "grosso". Esse é um deles.
"Eu gosto de tudo um pouco". Eu tenho a impressão de que quem gosta de tudo um pouco, não gosta muito de nada. Esta atitude parece ser fruto da preguiça de pensar ou do medo de se posicionar. Pensar não mata... pode cansar um pouco, mas matar, não mata! E a menos que seu posicionamento implique em risco de vida, se posicione (embora nem assim algumas pessoas deixem de se posicionar).
Vamos deixar esse negócio de gostar de tudo para quem já morreu, ou pra quem tem um programa de auditório em uma grande rede de televisão (é... porque com um salário desses, qualquer um sai gostando de tudo por aí...).
Odeie algumas coisas também, rapaz... de vez em quando é bom para a saúde. Dizem que não gostar de algumas coisas ajuda a queimar gorduras. Por outro lado, gostar demais, exageradamente, indiscriminadamente, não é das melhores escolhas. Principalmente, porque nos impede de detestar essa mesma coisa, caso seja necessário.
Num mundo onde gostar de tudo parece tão fácil, detestar um pouquinho pode ajudar a gostar com a luz acesa e os olhos abertos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Dentro

Dentro da palavra havia um grito
O mais ingrato grito audível
O grito de um segredo no escuro
Batendo e rebatendo nas paredes

Dentro do grito havia uma cor
Invisível no arco-íris,
Cujo tom esfarelado
Escondia um brilho quente

Dentro da cor havia um sonho
Longo louco turvo sonho
Em que se vê tudo desatento
Em que se vê um riso escondido atrás da porta

Dentro do sonho havia uma palavra
Escrita à lápis, escrita errada
Pronunciada pela mais bela boca
Ouvida pelo mais surdo ouvido
Vista pelo olho mais cético
Uma palavra da cor dos sonhos
Que soa como uma explosão
E se cala

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A morte de um gato qualquer

    Hoje de manhã meu dia começou com morte. Não a minha, é claro. Do contrário, eu seria um Machadiano defunto autor. Numa área da minha casa onde seria um banheiro (portanto, não muito espaçosa), uma gata que até então eu não criava, mas que a algum tempo se candidatava para a função, deu cria de quatro gatinhos. É uma área em L. Em cima é laje, porém, uma das paredes não é fechada até o teto, tem mais ou menos um metro e oitenta de altura. Foi por onde a gata entrou, e é por onde eu entro todas as manhãs (por volta das 6:00, antes de sair para o trabalho) para botar comida para eles. A escolha do lugar é típico da fêmea que procura um local seguro para suas crias. Porém, para os filhotes era impossível sair com apenas dois meses de vida, devido a habilidade ainda restrita. Então, desde que nasceram, só conhecem aquele espaço. Aquele é, até agora, seu único mundo.
    Hoje de manhã, quando subi na parede, vi três dos gatinhos remexendo por ali nos entulhos (eles acordam muito cedo), enquanto havia um deitado num canto de parede. Achei estranho, porque gatos, principalmente naquela idade, e no período da madrugada até o amanhecer, dormem geralmente enroscados em volta de si mesmos, e aquele estava com os membros relaxadamente estirados. Depois de abastecer a cumbuca com pão mergulhado em leite, peguei um pau e mexi nele. Nada. Mexi mais. Nada. Constatei e fiquei triste. Não foi uma tristeza igual àquela que senti quando tinha dez anos de idade e vi um gato de estimação em seus últimos suspiros, devido a um envenenamento, morrer perante mim. Foi uma tristeza de quem sabe que a morte não tem hora para chegar nem cerimônias para sair. Envolvi a mão com um saco plástico e o peguei, colocando-o, em seguida, dentro de outro saco maior. Deixei o saco perto do rio.
    No corpo dele não havia marcas de ferimento, o que me deixou intrigado sobre a causa da morte. No entanto, não é a causa da morte o tema deste texto. É algo mais específico e, talvez, pouco investigado ou imaginado: A sensação que precede a morte. Como é esse momento em que as luzes vão se apagando? Como a mente se comporta diante da iminente chegada do fim inexorável? Isto já representa um enorme abismo em se tratando de seres humanos (e, diga-se de passagem, já assalta meus pensamentos a algum tempo). Mas com os animais é ainda mais misterioso. Devo ressaltar que este fato chegou a tornar-se uma crônica porque havia uma ligação afetiva entre eu e o gato, pois não me perturbam as mortes dos bois que "dão" suas carnes para minhas refeições, embora eu não tenha a mínima coragem para matar um boi, um gato, uma rã, um rato. Uma cobra peçonhenta sim, por motivos óbvios. Mas, voltando à questão que se aplica, inclusive, aos bois, ratos, rãs... Como é o tal momento que precede os últimos suspiros, os últimos dois minutos, as últimas imagens registradas pelo olho, os últimos odores, os últimos barulhos?
    Costumamos dividir os animais entre racionais e irracionais. Eu me pergunto se é possível diferenciar a percepção dessas duas formas nesse momento final. Provavelmente, esta é uma questão que ganhará o desprezo e o repúdio da maioria das pessoas, pois buscar a sensação da morte deve, no mínimo, assustar a quase todos que leram esta crônica. Mas, se refletirmos sobre este momento...
(ESTE TEXTO É UM CONVITE AOS LEITORES PARA QUE, ATRAVÉS DE COMENTÁRIOS, POSSAMOS DAR CONTINUIDADE À REFLEXÃO SOBRE ESTE INTRIGANTE MOMENTO)
 

sábado, 7 de janeiro de 2012

Feliz tragédia nova

    Nos tempos antigos, eram necessários profetas para prever fatos de proporções catastróficas. Hoje em dia as coisas mudaram muito no que diz respeito isto... Qualquer um pode ser profeta sem precisar de conexão com o divino. Eu falo sobre esse problema das chuvas e suas incomensuráveis consequências. Todos os anos, em janeiro, é a mesma coisa, parece que já faz parte da programação das redes de televisão. Logo que casas começam a ser destruídas e um monte de gente começa a morrer, o governo federal, mais os governos estaduais dos estados afetados, começam a liberar milhões em verba para reconstrução de cidades e "vidas". Que bonzinho esse governo! Em seguida vem aquelas declarações clássicas: "Esse sim é um herói, arriscou a vida para salvar aquela senhora e sua filha de apenas sete anos". Ou então: "Foi deus que me salvou".
    Espero que os leitores consigam chegar no núcleo desta questão. Francamente, as pessoas que constroem casas nas áreas de risco - em encostas, por exemplo - sabem que mais cedo ou mais tarde a chuva vai chegar e a casa vai der destruída; e se for só isso ainda está bom, porque muitas pessoas morrem soterradas ou afogadas. Mas vamos levar em consideração que muitas dessas pessoas não conseguem ter uma noção clara deste risco, seja por um baixo grau de instrução, de orientação ou qualquer forma de ignorância que os levem a subestimar as possibilidades. Vale salientar que não quero fazer juízo de valor sobre isso, mas apenas "botar as cartas na mesa".
    Em primeiro lugar, o governo - federal, estadual, municipal - deveria investir em formas de impedir a construção de casas nestes locais. Em segundo lugar, hoje em dia existe inteligência e tecnologia suficiente para que a estrutura das cidades estejam melhor preparadas para estes períodos de chuvas em abundância (com sistemas de drenagem mais eficazes).
    Às vezes é preciso que sejamos duros ao avaliar certas questões como esta, para não ficarmos lamentando depois. É como se colocássemos o dedo molhado na tomada e depois que levássemos um baita choque, disséssemos: "Aí meu deus, porque isso foi acontecer comigo". Porém, não basta ficar reclamando sem se mover, é preciso que o povo use do poder que tem: a capacidade de pensar e falar. Por exemplo, a imprensa está aí, doida para ter uma matéria para o jornal de amanhã. O povo também tem sua parcela de responsabilidade no que se refere a tomar iniciativa, ora bolas! Mas, no que se refere ao poder público, acho que o que falta para que estas atitudes preventivas aconteçam é que um parente de algum político influente morra em uma dessas áreas para que ações mais efetivas aconteçam. Ou talvez, quem sabe, se morrer alguma celebridade muito querida da rede globo, ou se as olimpíadas ou a copa tiverem eventos sediados em algumas dessas áreas...