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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Um sorriso sem graça...

    Quando Chico Anysio morreu, a voz de um mestre se calou, ao passo em que sua obra rumou para o curso dos tempos. Dos tempos duradouros.
    Várias instâncias da mídia televisiva anunciaram e lamentaram a morte do maior humorista do Brasil: Chico Anysio. Ao ouvir repetir-se este título, do qual Francisco Anysio de Oliveira paula Filho (1931 - 2012) foi amplamente merecedor, percebi que o referido título é como uma moeda: é um único elemento, mas tem duas faces.Não, Chico não tem (ou tinha) duas faces, duas caras - até porque ele tinha mais de uma centena delas através de seus brilhantes personagens. Refiro-me ao fato de este título só poder ser compreendido e usado em sua plenitude, se insurgir na outra face da moeda o rosto do magnífico Millôr Fernandes, um ás da língua portuguesa. O curioso é que eu me preparava para escrever este texto de modo a prestar homenagens a um mito morto e outro vivo, incomodado que estava com a incompletude daquele título. Porém, a morte de Chico ocorreu em pleno frigir da 3ª FLIBO (evento do qual faço parte na organização), o que não me possibilitou escrever logo o texto, e quatro dias depois Millôr, o outro maior humorista do Brasil, também se foi.
    Milton/Millôr Viola Fernandes (1923/1924 - 2012) não era tão mencionado na TV quanto Chico. Contudo, esbanjou talento e criatividade nas páginas de revistas, jornais, livros e peças de teatro. Se, por um lado, Chico tinha a rede globo ao seu lado, dando-lhe projeção e visibilidade monstruosas, Millôr, por outro, tinha a liberdade de não ficar refém da censura da TV, elaborando pensamentos, apotegmas, dislates, imprudências, heresias cortantes, sarcásticas, e não menos inteligentes. Ora sinto-me impulsionado a dizer aqui que Millôr, enquanto artista, foi maior que Chico. Ora sou levado a pensar em fazer o contrário, elevar Chico sobre Millôr. Todavia, percebo que cometeria uma heresia se o fizesse, dada a importância e incontestável valor de ambas as obras. Mas percebo que uma capacidade tão potente e prolífica de criar, com uma qualidade tão notável e espantosa, dispensa classificações hierárquicas para ambos, e os alocam em um lugar onde os grandes não ocupam espaço nem posição, mas apenas perpetuam-se; embora haja um traço que distingue Millôr de Chico: o primeiro podia atirar em deus e o mundo, o segundo só podia atirar no mundo. 
    Acho que esses dois dias de março de 2012 foram (e provavelmente serão) os únicos dias da história do Brasil em que, ironicamente, a tristeza sobrepôs o riso.


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